Viagem presidencial ao Japão e Vietnã: percepções e tendências

Publicado em 15 de Abril de 2025 em Artigos

O mês de março se encerrou com uma viagem do Presidente Lula ao Japão e Vietnã para a negociação de acordos comerciais e promoção da aproximação do Brasil com os países asiáticos.

 

A primeira parada foi no Japão, país que já o recebeu em cinco oportunidades durante os seus três mandatos.

 

A visita oficial ocorreu em meio às celebrações dos 130 anos do início das relações diplomáticas bilaterais e resultou na assinatura de dez acordos. Entre eles, destaca-se o Plano de Ação da Parceria Estratégica e Global Japão-Brasil para 2025-2030. Esse plano prevê reuniões bienais entre representantes de alto nível para discutir temas estratégicos como mudanças climáticas e cooperação econômica, científica e tecnológica.

 

Do ponto de vista comercial, em 2024, o Japão foi o terceiro maior parceiro comercial do Brasil na Ásia e o terceiro maior destino de exportações brasileiras à região, em ambos os casos atrás de China e Cingapura, com um intercâmbio comercial de US$ 11 bilhões e superávit de US$ 148 milhões para o lado brasileiro. Dados do Banco Central indicam que, em 2023, o Japão respondia por um total de US$ 35 bilhões em investimentos diretos no país, sendo dono do nono maior estoque de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) no Brasil.

 

Apesar da aparente solidez dos números, uma análise mais detalhada revela um viés negativo nas relações comerciais recentes. Isso se manifesta na queda constante do volume de novos investimentos em projetos greenfield e brownfield nas últimas décadas, atingindo o menor patamar no comparativo anual. Outro ponto é a perda de participação de produtos de exportação brasileiros, como o etanol de cana, que teve sua participação reduzida pela metade, em contraste com o aumento do etanol de milho norte-americano. Essa dinâmica ocorre em um momento de discussões sobre o aumento da mistura de álcool na gasolina japonesa.

 

Mas olhando o lado positivo, nota-se que há espaço para recuperação e crescimento e a quantidade de acordos de cooperação anunciados durante o Fórum Econômico Brasil-Japão é um indicativo do potencial de interrupção do declínio.

 

O evento, que encerrou a programação oficial, contou com a presença do Presidente brasileiro, do Primeiro-Ministro e de outros membros de alto escalão do governo japonês, além de 10 ministros de estado brasileiros, representantes do Congresso Nacional e mais de 500 empresários de ambos os países. Durante o evento, foram anunciados mais de 80 documentos, incluindo contratos, memorandos de entendimento e cartas de intenção entre entidades públicas e privadas.

 

Entre os acordos anunciados, o grande destaque ficou para a assinatura do contrato para a venda de 15 jatos E190-E2 da Embraer à All Nippon Airways (ANA), com opção para mais cinco – um negócio que pode chegar a R$ 10 bilhões. Diversas outras áreas como saneamento, energia, educação, setor aeroespacial, tecnologia, agricultura, construção, saúde e segurança pública, entre outros, também foram contemplados com acordos que podem resultar em mais investimentos japoneses no Brasil. Além disso, o aprofundamento das relações comerciais entre os dois países pode ter um impulso significativo com o avanço de um Acordo de Parceria Econômica (EPA) Japão-Mercosul, cujo início formal de negociações foi objeto de pedido conjunto da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Keidanren, representante da indústria japonesa, ao final do evento.

 

Outro setor que tem a comemorar avanços é o da pecuária, que deu um passo crucial no processo de abertura do mercado japonês ao fechar um acordo com o governo local para o envio em breve de uma missão ao Brasil para inspecionar os frigoríficos e o sistema sanitário.

 

Na segunda etapa da viagem presidencial, em Hanói, capital do Vietnã, o setor exportador pecuarista ganhou mais destaque. Representantes do setor compuseram uma parte significativa da delegação empresarial brasileira, formada por algumas dezenas de executivos. A pauta no Vietnã mostra que o relacionamento entre os países, que teve início há 35 anos, ainda é incipiente, mas promissor. Desde a primeira visita de Lula ao Vietnã, em 2008, houve forte crescimento do comércio bilateral, que subiu de US$ 534 milhões de dólares naquele ano para os atuais US$ 7,7 bilhões em 2024 (recorde na série histórica), com saldo positivo brasileiro de US$ 405 milhões.

 

O Brasil exporta mais para o Vietnã do que para Portugal, Reino Unido, França ou Paraguai, e o país ocupa a quinta posição entre os destinos de produtos do agronegócio brasileiro, respondendo por cerca de 70% da soja importada pelo Vietnã, além de ser o principal fornecedor de carne suína e o segundo maior de carne de frango e de algodão. O objetivo de alcançar um volume de transação comercial de US$ 15 bilhões em 2030 é calcado em dois pilares: no crescimento do sudeste asiático, região que se apresenta como a mais dinâmica do globo, e do próprio Vietnã, que vem apresentando as maiores taxas de crescimento da região, com 7% em 2024 e previsão de 8% em 2025, e também no acelerado processo de modernização do arcabouço jurídico, que visa reforçar o seu status de economia de mercado, e criar um ambiente de investimento mais favorável aos estrangeiros, especialmente nos setores bancário e de infraestrutura.

 

A viagem presidencial resultou em significativos avanços para o setor pecuário brasileiro, a começar pelo anúncio de um memorando de entendimentos sobre a construção de duas unidades de processamento de carne bovina, suína e de aves no Vietnã, com investimento de US$ 100 milhões pela JBS. O objetivo é que o abastecimento das plantas seja realizado principalmente com carne bovina, suína e de aves de origem brasileira, que terá a produção escoada não somente ao mercado vietnamita, mas também a outros mercados no sudeste asiático. Apesar das carnes suína e de aves do Brasil já comporem parte significativa dos produtos importados pelo Vietnã do Brasil, o mercado local esteve fechado à carne bovina por uma década, razão pela qual o Ministro da Agricultura e Pecuária recebeu os aplausos mais calorosos durante o Fórum Empresarial Brasil-Vietnã.

 

O fornecimento de aviões civis e militares fabricados pela Embraer também foi outra pauta de destaque da etapa vietnamita e houve a manifestação pelo Primeiro-Ministro vietnamita sobre o desejo de receber oficinas de manutenção e treinamento no país como parte do pacote de negociação para aquisição de jatos comerciais pela Vietnam Airlines e cargueiros C-390 pelas Forças Armadas vietnamitas, que, no meio da corrida armamentista global, busca iniciar o processo de modernização de sua frota.

 

Um prognóstico sobre o quanto e quais das pautas discutidas nas visitas presidenciais avançarão, no entanto, não é possível. specialmente diante das incertezas provocadas pela guerra tarifária iniciada pelos Estados Unidos e intensificada pela retaliação chinesa.

 

Em que pese a suspensão temporária da alta tarifária imposta pelos Estados Unidos, que significativamente havia afetado mais os países asiáticos como o Japão e o Vietnã, a manutenção das tarifas elevadas em relação à China pode resultar na reconfiguração do comércio internacional e reorganização da estrutura produtiva mundial - que hoje tem na Ásia o grande centro de produção - de forma profunda, prolongada e, talvez, definitiva.

 

Jun Makuta é sócio de TozziniFreire Advogados e head do Japan Practice Group e compôs a delegação brasileira que acompanhou a viagem presidencial ao Japão e Vietnã ocorrida durante a última semana de março de 2025.

Publicação produzida pela(s) área(s) Societário e Investimento Estrangeiro